Nos últimos dias, o mundo digital se alvoroçou com a notícia de uma nova iniciativa do Google. É que o gigante do Vale do Silício revelou que durante os próximos anos irá engajar dez mil americanos num estudo inédito sobre saúde.
Não é um desafio pequeno. Muitos estudos clínicos menores que esse costumam dar com os burros na água quer seja por falta de candidatos para participar do projeto ou devido à alta taxa de abandono que costuma acontecer no meio do caminho. Para dar cabo dessa missão o Google (na verdade a Verily, braço de saúde do grupo e que antigamente se chamava Google Life Sciences) anunciou que irá contar com ajuda das equipes médicas das Universidades de Standfort e Duke. E também com um bocado de tecnologia. Toda a empreitada irá custar cerca de 100 milhões de dólares.
Mas afinal: para que o Google irá realizar um esforço tão grande num projeto cujo resultado não vai aumentar nosso engajamento em nenhum de seus tradicionais aplicativos como o Waze, Youtube ou Gmail?
É que nesse caso ele pretende entender melhor nosso comportamento, não dentro, mas fora da internet, e com isso impulsionar quem sabe algumas descobertas nos campos da medicina e ciências da vida. Para isso ele pretende colecionar dados de toda essa multidão de pessoas, durante 24 horas por dia, 365 dias por ano, por nada menos que 4 anos. É dado que não acaba mais. Mas enfim, essa é a especialidade do Google, certo?
Para nós esse projeto irá servir adicionalmente como um rico benchmark de ações que podem e deverão ser repetidas por outras indústrias daqui adiante. Em primeiro lugar, os participantes receberão de graça um relógio de pulso que irá monitorar dados como frequência cardíaca e atividade física diária e um sensor que irá acompanhar especificamente seus dados relativos ao sono. Junto com isso receberão um pequeno hub que irá transmitir as informações para o data center do Google.
Os participantes também deverão preencher a cada 3 meses um formulário online de cerca de 30 minutos que irá fazer perguntas sobre temas como alimentação, exercícios e bem-estar e também serão convidados a responder pequenas enquetes diárias sobre assuntos específicos, como seu estado de humor (se alguém quiser reportar informações adicionais, como medicamentos que está utilizando, também poderá fazê-lo).
Fora isso, a cada 4 meses será necessária uma visita (entre 1 e 2 horas cada) a um centro de pesquisa para uma consulta e uma vez por ano será necessário que sejam realizadas baterias de testes que devem durar entre 1 e 2 dias inteiros.
Trata-se de um modelo híbrido, como se vê. As intervenções presenciais não deixarão de existir, mas a utilização de recursos digitais será onipresente durante todo o projeto. A fim de manter o engajamento dos participantes ativo durante todo esse processo, o Google irá oferecer a eles algumas vantagens como:
Resultados de exames e dados;
Atualização constante sobre o andamento do estudo e sobre quais insights estão sendo gerados a partir dos dados compartilhados;
Acesso a uma comunidade online formada pelos participantes do projeto, bem como a eventos voltados para esse público;
Compensação financeira pelo tempo dedicado nas visitas presenciais e benefícios adicionais pelo nível de engajamento.
Não se trata de uma fórmula totalmente nova.
O uso de recursos como comunidades online gamificadas, mobile apps e vestíveis já são amplamente utilizadas em outros cases de engajamento. Mas o interessante é que nesse caso, devido ao tamanho e ambição do projeto, poderemos ter uma amostra bastante representativa das taxas de sucesso que cada tecnologia obtém junto a cada um dos sub-grupos estudados.
Não deixa de ser curioso, mas em cases como esse o setor de saúde talvez aprenda a engajar pacientes com empresas que não são nativas do ramo, como é o caso do Google.
Istvan Camargo é especialista em engajamento de pacientes. Foi membro do Comitê Científico da Health 2.0 Latam e residente digital do Centro de Mídias Sociais da Mayo Clinic / USA. Atuou como Chief Innovation Officer do Grupo Notredame Intermédica. Realizou palestras sobre o tema em conferências como Social Media Week, Campus Party e HIS. Em 2012 fundou a primeira rede social de saúde do país, tendo realizado projetos para ABQV, Virada da Saúde SP, EPM e USP. Atualmente realiza projetos de engajamento para diversas empresas do segmento de saúde, atuando em variadas patologias e classes terapêuticas.
Fonte: Saúde Business